A educação ambiental no Brasil corre riscos com o esvaziamento das políticas de educação ambiental e redução de riscos de desastres. O retrocesso se apresenta, por exemplo, com o corte de um trecho do texto da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação referente à educação ambiental: “inclusão dos princípios da proteção e defesa civil e a educação ambiental de forma integrada aos conteúdos obrigatórios, nos currículos dos ensinos fundamental e médio”. Na mesma direção, a Base Nacional Comum Curricular trata superficialmente desses temas.
Essas mudanças criaram um cenário de triste semelhança entre as mudanças nas políticas de educação e as mudanças no clima, no sentido que ambas promovem sistemas insustentáveis e apontam para um potencial risco de desastre.
A educação ambiental “estimula a formação de sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relação de interdependência e diversidade”[1], muito diferente das práticas comportamentais que preconizam a sensibilização para a natureza ou a mera transmissão de informações técnicas e científicas sobre o ambiente.
As ações de educação ambiental contribuem para as comunidades promoverem a sustentabilidade em suas múltiplas dimensões. Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Ambiental (Resolução CNE nº 02/2012) enfatizam que se deve “estabelecer as relações entre as mudanças do clima e o atual modelo de produção, consumo, organização social, visando à prevenção de desastres ambientais e a proteção das comunidades”.
Sustentabilidade é um dos conceitos mais disputados atualmente. O termo começou a ser difundido na década de 1980 como parte da expressão “desenvolvimento sustentável”, e existe uma centena de definições que se baseiam no enunciado clássico do Relatório Brundtland, elaborado pela ONU em 1987, segundo o qual se trata do “desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.
O termo desenvolvimento é questionado devido ao seu forte apelo a um tipo de crescimento econômico concentrador de poder e renda, que ignora seus impactos nefastos, a ameaça ao ambiente e à sociedade. Esse modelo de desenvolvimento que vivenciamos até os dias atuais é insustentável, desigual, excludente, crescentemente globalizado, e está na base da construção do risco na sociedade.
Sustentabilidade envolve a noção de sociedades capazes de garantirem o bem-viver das pessoas, o equilíbrio ecológico, a cidadania e a justiça distributiva para as gerações atuais e futuras. Sociedades sustentáveis são um todo complexo de natureza-sociedade-cultura, em suas diversas dimensões: econômica, ecológica, ambiental, demográfica, além da social, cultural, política, estética e espiritual. Tais dimensões são interdependentes, se integram sem fragmentações, e principalmente, sem que uma pretenda a hegemonia ou a dominação sobre as demais.
A insustentabilidade aumenta o risco, gera desastres. Neste processo em que os efeitos da insustentabilidade ganham mais força diante da amplitude dos eventos extremos provocados pelas mudanças climáticas, a água é a principal vítima. Os regimes da água em todas as regiões do mundo estão mudando em quantidade disponível e qualidade.
O principal desafio entre a sustentabilidade e insustentabilidade da água no mundo e no Brasil ficou nítido nas concepções e preocupações que nortearam os debates do Fórum Mundial da Água - das corporações e governos para quem a água é recurso a ser apropriado, explorado e vendido - e do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) – para quem a água é vida, saúde, alimento, território, direito humano, um bem comum sagrado, ambos realizados em Brasília no mês de março.[2]
A água vista como mercadoria ou produto de consumo é insustentável. Com essa questão em mente, há muitos projetos a se realizar na escola. É preciso pesquisar, observar, monitorar e compreender qual a relação entre a água, as árvores e o clima em seu território. É possível descobrir como se dá a distribuição da água e das árvores no bioma da bacia hidrográfica do seu município. Será que algo mudou com o tempo? O que causou essas mudanças? Essas e outras observações e pesquisas ajudam a produzir conhecimentos e também motivam os estudantes a embasarem conceitualmente as ações e intervenções transformadoras com a comunidade.
Alguns exemplos de pesquisas e ações pela sustentabilidade da água
Cientistas começam a reconsiderar o impacto das árvores nos ciclos da água e do clima[3]. Enquanto as árvores influenciam os ciclos da água, com consequências para a segurança alimentar, sua captação de carbono no processo de crescimento promove a relação precipitação-reciclagem, a redução de temperatura e a adaptação à mudança climática. Quando as árvores processam e redistribuem a água, elas simultaneamente esfriam as superfícies planetárias.
Veja a equação: “Água [D+ ou D-] = desastre?”. A maioria dos desastres registrados nas cidades brasileiras está relacionada com a falta ou o excesso de água, como seca, enxurradas, inundações e deslizamentos. Muita chuva pode causar inundação, alagamento, enchente, ressaca e deslizamento de terra. Sem chuva, tudo seca e as florestas podem queimar. Mas será que é mesmo a água, ou a chuva, que gera tantos desastres? Está certo “culpar” a água pelos desastres? Responder a questões como estas pode estimular a reflexão e o desenvolvimento de pesquisas e ações para redução de riscos de desastres, conservação da água e de enfrentamento das mudanças no clima.
Para continuar a reflexão
Dica para mais ideias de ações - o livro Floresta, Água e Clima: Rede de Boas Práticas nos Biomas Brasileiros[5] tem artigos sobre a utilização de tecnologias sociais, valorização do conhecimento popular e tradicional, promoção de modos alternativos de produção, conservação do meio ambiente e diminuição da emissão de gases de efeito estufa e recuperação de áreas degradadas.
Mais sobre o CEMADEN Educação
Criado em 2014, o CEMADEN Educação (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais é um projeto do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), tem como foco o trabalho de iniciação científica junto a escolas de Ensino Médio localizadas em municípios com vulnerabilidade socioambiental. Saiba mais em http://educacao.cemaden.gov.br.
Desde 2016, tem realizado a campanha #AprenderparaPrevenir, que visa dar visibilidade a ações que contribuam para a redução de desastres realizadas por escolas, universidades e órgãos da Defesa Civil, e assim também chamar a atenção de outros setores da sociedade. Em 2018, a campanha tem o tema “Água [D+ ou D-] = desastre?” e recebe inscrições de práticas educativas até 1º de outubro.
________________________________________________________________________________________________________________________________
[1] Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, criado na Conferência das Nações Unidas, Rio 92 e reafirmado na Rio+20. Acessível em http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaoambiental/tratado.pdf
[2]https://www.cimi.org.br/2018/03/declaracao-final-do-fama-reafirma-agua-nao-e-mercadoria-agua-e-do-povo/
[3] http://napeia.com.br/noticias/2017/03/23/devemos-reconsiderar-o-impacto-das-arvores-nos-ciclos-da-agua-e-do-clima/
[4] http://ciclovivo.com.br/planeta/meio-ambiente/pesquisadores-explicam-a-importancia-das-arvores-para-ter-agua-de-qualidade/
[5] A publicação na íntegra pode ser acessada em http://bit.ly/2JzTueU
Rachel Trajber é ambientalista. Mestre e doutora em antropologia, é responsável pelo projeto Cemaden Educação desde 2014, coordenou a Educação Ambiental no MEC por 8 anos.